Reflexos da reforma tributária no CTN

Por Valor Econômico

Nunca se discutiu tanto sobre reforma tributária quanto neste ano. Parece que os
políticos acordaram de vez para o problema fiscal no país.

As reformas em curso perante o Congresso Nacional visam em suma alterar o
sistema para a sua simplificação e diminuir, com isso, a dificuldade de entendimento
da tributação, promovendo maior transparência fiscal, unificação de tributos que
possuam a mesma base (ainda que de entes tributantes diversos) e, por
consequência, promover uma drástica redução de obrigações acessórias associadas
aos tributos existentes.

Com a criação de um único tributo e a extinção dos antigos,
como fica a compensação tributária prevista na legislação?

Por certo não haverá redução da carga tributária, até porque existe um notório
déficit (diga-se de passagem) gigantesco nas contas públicas, então o que se tenta
realizar com a simplificação é simplesmente tornar o sistema mais fácil de se
conviver, ainda que estudos demonstrem que alguns setores da economia serão
prejudicados em termos de carga fiscal enquanto outros em tese serão
beneficiados.

Por melhores que sejam as intenções daqueles que estão à frente desses projetos,
alguns aspectos práticos relevantes não estão sendo pensados para a transição de
um sistema para o outro, especialmente no que toca alguns institutos previstos no
direito tributário, tal como a compensação tributária, como adiante comentaremos.

É bom lembrar que a simplificação tributária proposta consiste especialmente na
criação de um novo IVA/IBS (Imposto sobre o Valor Agregado ou Imposto sobre
Bens e Serviços), que pretende unificar cinco tributos: três da União (Imposto de
Renda, PIS e Cofins), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS).

Pretende-se que tal tributo seja de competência federal, gerido por um Comitê
Gestor sob a liderança da União e com a participação dos Estados e municípios para
que seja feita a correta distribuição dos montantes arrecadados.

Perceba-se que esse novo sistema tirará a autonomia que hoje Estados e municípios
têm para legislar e arrecadar seus respectivos tributos, o que pode significar uma
inconstitucionalidade já de largada por ferir o pacto federativo estabelecido
originalmente na Constituição Federal e que, por ser cláusula pétrea, não pode ser
alterado.

Ademais disso e particularmente para o problema que visamos enfrentar neste
artigo, com a criação de um único tributo sob competência federal e a extinção dos
antigos, como fica a compensação tributária que atualmente é prevista na legislação
federal? Se uma empresa tiver, por exemplo, um crédito antigo de Cofins e tiver
débitos vincendos de IVA/IBS poderá compensar? E seu tiver um crédito antigo de
ICMS, poderá ser abatido dos futuros débitos de IVA/IBS?

O artigo 170 do CTN diz que a lei deverá prever as regras para a compensação a
cargo de cada ente tributante. No caso federal, hoje vigora a Lei 9.430/96 (art. 74)
que em síntese permite compensar tributos federais entre si desde que
administrados pela Receita Federal.

Supondo então que esse IVA/IBS fosse administrado em última análise pela Receita
Federal, ainda que se considere a existência do mencionado Comitê Gestor, a
compensação de Cofins com débito desse novo imposto seria viável pela atual
legislação federal que trata a compensação. Entretanto, caso haja qualquer dúvida
sobre a administração ser ou não exclusiva da Receita Federal, seria possível ainda
assim o encontro de contas com base no art. 74 da Lei 9.430? Ou seria necessária a
edição de uma nova lei?

Caso seja necessária uma nova lei, considerando que com certeza haverá muita
coisa a regulamentar para a aplicação do novo sistema tributário, é quase certo que
demorará para se preencher essa lacuna e é possível que os contribuintes, de uma
hora para a outra, tenham suas compensações paralisadas, por impossibilidade de
uso de seus créditos.

Já no caso de Estados e municípios, que em sua grande maioria até hoje não
regulamentaram em suas competências a possibilidade de compensação tributária,
teriam eles de aceitar as compensações como forma de devolução de sua parte no
IVA/IBS? Não deveria haver alguma modificação/adaptação da legislação atinente à
compensação? Seria necessária ou até mesmo conveniente uma alteração do artigo
170 do CTN para prever uma transição entre os sistemas (atual e futuro?).

Claro que não se espera que essa falta de continuidade de compensação vá ocorrer,
mas vale neste momento o alerta. Além desse tema, é provável que outros
problemas de transição venham a ocorrer e será necessário que o Poder Executivo e
o Congresso Nacional rapidamente editem normas para que o sistema continue
funcionando, sem deixar de fora questões tão importantes como a efetivação das
compensações, como visto.

Devemos, portanto, ficar atentos para as repercussões possíveis da reforma
tributária, e estarmos preparados para uma transição, na qual poderão ser
necessárias várias adaptações e/ou alterações da legislação tributária, não somente
no âmbito da Constituição Federal, mas também do CTN e das legislações de cada
tributo. Precisamos estar preparados para “virar a chave” quando o momento
apropriado se apresentar.

Marcelo Annunziata é sócio do Demarest Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O
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uso dessas informações.

 

Publicado originalmente em 24/09/2019 em Valor

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